p: o lema do Dia Mundial da Saúde (“vamos falar sobre depressão”) é sobre como procurar ajuda. Como podemos contrariar a estigmatização que geralmente faz com que as pessoas não busquem ajuda?
R: A estigmatização é um grande problema, e a solução não é simples. Um estudo recente apresentou poucas evidências sobre as estratégias que podem ser usadas para lidar com a estigmatização. Por exemplo, a promoção do conceito de depressão como um distúrbio cerebral biológico de fato provocou mais atitudes negativas, uma vez que sugere que a doença é um aspecto imutável da biologia do indivíduo. O que eu acho que serve é a divulgação: ou seja, que as pessoas falem publicamente sobre sua experiência de depressão. A este respeito, a mensagem do Dia Mundial da Saúde é estupenda. Além disso, embora seja difícil mudar a atitude das pessoas, podemos promulgar leis que reduzam a discriminação, por exemplo, eliminando os obstáculos ao acesso à educação e ao emprego para as pessoas com problemas de saúde mental. Talvez seja mais valioso e viável abordar a discriminação do que a estigmatização. Muitos podem ter uma atitude negativa em relação às pessoas que sofrem de transtornos mentais, mas o mais importante é que eles não sejam negados acesso à educação ou ao emprego.
P: Como as pessoas com doenças mentais podem ser encorajadas a procurar assistência?
R: recentemente publicamos na Lancet Psychiatry um trabalho no qual se descreve um programa lançado numa zona rural da Índia onde, num período de 18 meses, o número de pessoas com depressão que buscou assistência multiplicou-se por seis. O que fizemos foi favorecer uma abordagem a partir da base segundo a qual, através de membros da própria comunidade, foram realizadas atividades de sensibilização mediante uma linguagem que todos eram capazes de compreender, evitou-se fazer referência à depressão como um problema psiquiátrico, analisaram-se questões como o endividamento e a violência doméstica, encorajou-se a autoterapia como uma intervenção de primeiro nível, e recorreu-se a Suportes culturais adequados como cenas de filmes de Bollywood. Apenas a depressão foi referida como problema biomédico quando era grave e era necessária uma intervenção clínica. As intervenções de sensibilização foram realizadas por agentes comunitários e consultores não especializados; por outro lado, as intervenções de base empírica para combater a depressão e as perturbações relacionadas com o consumo de álcool tornaram-se mais acessíveis tanto no ambiente comunitário como nos centros de atenção primária.
P: como eles trabalham em comunidades que não têm profissionais de saúde mental?
R: Dotamos as pessoas das competências de autoterapia necessárias e confiamos a pessoas da comunidade que cuidem das outras, em ambos os casos com o treinamento e o apoio adequados. Como mencionei, acabamos de concluir um estudo sobre este método e observamos que entre seis e dez breves sessões de tratamento, de 30 a 40 minutos de duração, para pacientes com depressão grave, geralmente realizadas no domicílio do paciente ou em centros de atenção primária, são eficazes para promover a remissão e a recuperação. Uma das descobertas mais importantes deste estudo é que ele derruba o mito de que nos países em desenvolvimento o paciente prefere medicação à psicoterapia. Se esta segunda for posta em prática de uma forma acessível e adequada em função do contexto, é muito viável e muito bem aceite.
P: Você avançou na promoção dessa abordagem?
R: apesar de existirem provas sólidas da aceitação e da eficácia das intervenções psicossociais a cargo de agentes comunitários, não existe nenhum país ou região em que se tenha impulsionado esta abordagem. Por exemplo, na Índia existem muitos projetos de pequena escala que oferecem assistência mental em locais onde não há psiquiatras, mas o que é realmente necessário é a integração completa dessa abordagem nos sistemas de saúde pública, a fim de que esses serviços sejam prestados no nível de atenção primária. Este é o objetivo proposto pelo consórcio PRIME (programa para reduzir a lacuna terapêutica nos transtornos mentais), financiado pelo Governo britânico, em cinco países de renda média e baixa.
P: Como essa abordagem funcionaria se fosse promovida?
r: a ideia é capacitar milhões de agentes de saúde comunitários e membros das comunidades em todo o mundo para que realizem intervenções psicossociais com base empírica. Essa abordagem não se aplicaria apenas ao tratamento de problemas mentais em países de baixa e média renda, mas também em países de alta renda, onde há uma lacuna terapêutica considerável, apesar de recursos especializados substanciais. Quando profissionais especializados em Saúde mental estiverem disponíveis, eles devem fornecer treinamento, garantia de qualidade e caminhos de derivação para casos complexos que não respondam rapidamente ao tratamento. As tecnologias digitais podem desempenhar um papel na promoção da autoterapia, e na capacitação e supervisão dos agentes comunitários.
P: Por que os países desenvolvidos recorrem tanto à medicação para tratar a depressão quando a psicoterapia é tão eficaz?
R: Os cuidados de saúde mental tornaram-se um campo altamente medicalizado dominado pela psiquiatria, no qual o habitual é a prescrição de medicamentos. No entanto, nos países desenvolvidos, os pacientes buscam cada vez mais opções não farmacológicas para sua recuperação, desde tratamentos psicológicos biomédicos até terapias espirituais e tradicionais, como o yoga. A ideia de recorrer a pessoas legas para prestar assistência de saúde mental encontra frequentemente resistência por parte dos profissionais deste campo, inclusive dos psicólogos clínicos, que argumentam que não é seguro nem eficaz apesar dos testes em sentido contrário. Talvez eles o vejam como uma ameaça à sua autoridade e controle profissionais sobre tratamentos e doenças.
P: Como a organização não governamental de Saúde Mental Sangath lançou em Goa? Que novidades ele trouxe?
R: fundei Sangath junto com seis colegas em 1996. Hoje é considerada uma das principais instituições de saúde pública na Índia. Sangath começou como um centro para crianças com distúrbios de desenvolvimento e saúde mental, e depois cresceu para prestar assistência a todos os grupos da população. Havia muita demanda por esse tipo de assistência, e ficamos sobrecarregados com o número de pacientes encaminhados para nossa organização. No entanto, muitas famílias não podiam pagar cuidados especializados prolongados e muitas vezes não podiam ir ao nosso centro regularmente. Então, começamos a prestar assistência em centros comunitários e de atenção primária, servindo-nos para isso de trabalhadores não especializados, e depois avaliamos os efeitos. Sangath foi pioneira em aplicar essa abordagem, em colaboração com entidades acadêmicas e governamentais, para tratar várias doenças mentais, desde autismo e alcoolismo até depressão e esquizofrenia.
P: O que você diria aos governos que dão pouca prioridade aos cuidados de saúde mental?
R: devemos dar à saúde mental um valor fundamental. É um bem público em si. Temos de nos esforçar por oferecer soluções àqueles que dela necessitam: o nosso objectivo, enquanto cientistas com uma orientação prática, é desenvolver formas eficazes de atingir esse objectivo e maximizar simultaneamente a aceitação dos doentes, das suas famílias e, em última análise, daqueles que pagam por estes serviços. Há algo que é muito verdadeiro: a saúde mental é tão importante quanto a saúde física e, como acontece com a saúde física, não é possível oferecer serviços de saúde mental gratuitamente.